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sábado, 26 de julho de 2025

Relações étnicas na China: diversidade, conflitos e o papel das minorias

As relações étnicas na China hoje são resultado de processos históricos longos e políticas de Estado centradas na ideia de unidade nacional em meio à diversidade. 

O país reconhece oficialmente 56 grupos étnicos, sendo os Han a maioria absoluta, com cerca de 92% da população. Os outros 55 grupos são classificados como minorias nacionais. A lógica estatal é de “unidade na diversidade”, conceito trabalhado por Fei Xiaotong (antropólogo pioneiro na China do início do séuclo XX), no qual a nação chinesa seria composta pela união dessas etnias, cada uma com suas particularidades, mas integradas ao projeto nacional.

A Constituição da China garante igualdade étnica, autonomia regional e defende políticas de equidade, incluindo sistemas próprios de administração em áreas de maior concentração de minorias, formalizados desde 1984. O nacionalismo, nesse contexto, não é só instrumento de identificação coletiva, mas também de manutenção da integridade territorial e da estabilidade do Estado. 

O termo Zhonghua minzu, “nação chinesa”, foi consolidado durante a resistência à invasão japonesa e passou a incluir todas as etnias como parte desse coletivo.

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Mapa das regiões autônomas chinesas

Apesar da ênfase na diversidade, a centralidade cultural Han marca as dinâmicas sociais e políticas do país.

O etnocentrismo Han é antigo, alimentado por mitos fundadores e tradições Huaxia, muitas vezes tratado como referência principal da história chinesa. O termo Huaxia (华夏), nesse sentido, faz referência ao povo original que habitava o Zhongyuan (Planícies Centrais), a região entre os rios Amarelo e Yangzi, considerada o território ancestral do povo chinês.

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Mapa mostrando a região entre os rios Amarelo e Yangzi.

O confucionismo, por sua vez, defendia um universalismo cultural, não étnico (o conceito de etnicidade é posterior), que facilitava processos de assimilação de grupos externos. O resultado é uma política oficial que permite diversas expressões, mas, ao mesmo tempo, é frequentemente criticada por favorecer uma tendência à homogeneização cultural e linguística. Há, inclusive, estudos atuais de cientistas sociais chineses que pesquisam essa interação, com trabalhos de campo envolvendo o impacto do idioma oficial em práticas e usus de idiomas locais.

Nos debates externos, especialmente em análises ocidentais, as críticas se concentram em episódios de repressão e tensão envolvendo grupos como uigures, tibetanos, hui mongóis, localizados principalmente em regiões periféricas. Os conflitos nessas áreas, marcados por episódios de violência desde os anos 1980, são tratados pelo Estado chinês como casos isolados e, muitas vezes, associados a células terroristas. A repressão de práticas religiosas, a censura na internet e acusações de violação de direitos humanos são temas recorrentes no noticiário internacional ocidental.

Essas críticas, no entanto, partem de perspectivas externas, muitas vezes influenciadas por agendas geopolíticas. O discurso do “país fechado” contrasta com o cenário real: a China é hoje um dos países com maior uso de internet no mundo, e há ampla circulação de informações e experiências, tanto dentro como fora do país. Mesmo que tenha sido pioneira na regulamentação das redes e na compreensão dos dados do usuário como instrumento de poder internacional, as medidas restritivas estão ancoradas em sua legislação; algo que, no início era visto como autoritário, mas atualmente tem sido debate em diversos países, inclusive no Brasil. 

O receio ocidental sobre o risco de fragmentação territorial também aparece em discussões sobre autonomia regional, que, para alguns, seria um passo para movimentos separatistas, mas a percepção sobre identidade e diferença dentro da China é distinta daquela promovida por olhares estrangeiros. O conceito de mingzu zhuyi (民族主义), usado no momento de elaboração para articular a questão nacional, no momento de sua elaboração refletia tanto tendências inclusivas quanto problemáticas típicas do início do século XX, como, por exemplo, a influência do evolucionismo social ao se tratar de diferentes grupos sociais e das ideias de raça atreladas a essa concepção. Seu desdobramento até os usos atuais, também passam por análises de antropólogos chineses que problematizam seu uso e a relação com unidade nacional e o próprio Estado.

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Etnia chinesa Dong

Assista aqui ao festejo da etnia Dong.

Na prática, o nacionalismo chinês contemporâneo não pode ser entendido apenas como imposição de homogeneidade. A história das relações entre grupos étnicos na China precisa ser compreendida não apenas como uma dinâmica sociológica, mas, sobretudo, atravessada por sentidos simbólicos. A manutenção da unidade passa menos por moralidade ou ideologia e mais por um imaginário históricos fundamentado na necessidade de garantir subsistência, estabilidade e resposta a crises, como desastres naturais. Mesmo que tais aspectos não sejam acionados hoje de forma objetiva, ele cria uma dinâmica complexa, em que conflitos existem, mas não podem ser reduzidos a um esquema simples de opressão estatal versus diversidade ameaçada. Essa dicotomia pode funcionar em países ocidentais e aqueles influenciados consideravelmente por eles na formação dos seus Estados nacionais, mas não todos os países.

A questão do orgulho nacional é outro ponto de tensão entre discursos. Enquanto a mídia internacional costuma enfatizar o aspecto repressivo das políticas chinesas, pesquisas apontam que o sentimento de pertencimento e orgulho de “ser chinês” é elevado, inclusive entre grupos de minorias. A afirmação étnica e os conflitos, nesse sentido, não significam necessariamente rompimento com a ideia identidade nacional, mas uma reivindicação de que essa unidade atue e aja conforme suas demandas. 

No campo acadêmico, a etnologia e antropologia chinesa buscam fundamentar uma narrativa nacional baseada em “características chinesas”, recorrendo tanto a abordagens ocidentais e marxistas quanto a dados arqueológicos e genéticos para justificar a integração dos diferentes grupos.

O panorama geral é de um campo marcado por contradições e disputas de sentido, tal como qualquer sociedade. A política oficial enfatiza a unidade na diversidade, mas a predominância Han, os dilemas de integração e as pressões externas mostram que as relações étnicas na China são atravessadas por tensões reais, sem respostas simples ou interpretações unilaterais. O olhar sobre esse tema precisa considerar tanto as dinâmicas internas quanto a influência dos discursos externos. No entanto, em termos de soberania, é preciso defender sempre que cada país têm o direito de lidar com suas questões internas sem que uma régua moral imposta seja utilizada para esconder interesses de países dominantes.

É importante considerar o processo histórico

Encerrar o debate sobre relações étnicas na China a partir de categorias como “autoritarismo” ou “falta de liberdade” é insuficiente para compreender o que está em jogo. A construção da unidade nacional não nasce com o socialismo de 1949. O tema já era central no final do século XIX, quando as pressões externas e as insatisfações populares cobravam da dinastia Qing uma resposta mais eficaz diante das ameaças estrangeiras e da fragmentação interna. Ao longo da história chinesa, os ciclos de ascensão e queda das dinastias têm como marca recorrente a tensão entre grupos internos, sempre seguidos pelo esforço de uma nova dinastia em buscar uma acomodação capaz de reduzir conflitos e restabelecer uma base comum. O confucionismo, reinterpretado ao longo dos séculos, foi elemento chave nesse processo, funcionando como eixo de equilíbrio das diferenças internas e oferecendo modelos para o manejo das relações hierárquicas e para o controle das disputas.

Esse padrão relacional não desapareceu. Ele atravessou períodos de paz e crise, sobreviveu às revoluções e foi reconfigurado por novas ideologias e sistemas políticos, mas nunca deixou de atuar como referência. No início do século XX, a demanda pela unidade nacional foi incorporada pelas forças republicanas e, depois, pela Revolução Popular de 1949, como resposta à percepção de incapacidade do antigo regime de manter a integridade do território diante das ameaças externas. 

Nesse sentido, reduzir os conflitos étnicos atuais à ideia de “rachaduras” no governo ou ao fracasso de uma política recente ignora o fato de que a gestão das dinâmicas internas, inclusive por meio de legislação específica sobre grupos étnicos, é parte constitutiva da história do Estado chinês desde dinastias antigas, como a Tang.

Por fim, para analisar a China contemporânea, é preciso abandonar o filtro que reduz experiências históricas a dicotomias como liberdade versus autoridade. A complexidade do cenário exige um olhar atento à longa duração dos processos, à especificidade das soluções chinesas e à natureza relacional que marca tanto o confucionismo quanto o próprio Estado chinês. Isso não significa negar conflitos ou dificuldades, mas compreender que eles não representam uma falha do sistema, e sim um traço estrutural da história da China.



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Nino Rhamos

Nino Rhamos é escritor e pesquisador independente. Tem mais de 30 anos de interesse pela China e formação acadêmica em antropologia. Atua desde 2010 com edição de vídeo e, mais recentemente, com tradução textual intercultural e consultoria em temas relacionados à China.

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