segunda-feira, 25 de agosto de 2025

A nova mulher no cinema de Shanghai: gênero, modernidade e contradições nos anos 1930 (vídeo)

Quando pensamos no cinema chinês das décadas de 1920 e 1930, especialmente em Shanghai, não estamos apenas diante de filmes de entretenimento, mas de documentos culturais que revelam as tensões de uma sociedade em transformação. 

Análise da nova mulher no cinema de Shanghai feita por Nino Rhamos, especialista em China.

Entre os temas mais marcantes, um se destaca: a figura da “nova mulher” — símbolo de modernidade, liberdade, mas também de contradição.

A “nova mulher”: o glamour e a crítica social

Nos filmes silenciosos e nos primeiros sonoros, a “nova mulher” podia assumir várias faces: a estudante ingênua e sonhadora, a dançarina moderna influenciada pelo jazz ocidental, a mulher independente que buscava carreira, ou ainda a operária disciplinada e ascética. Essas representações não eram neutras: eram sempre atravessadas pelo olhar ideológico de diretores e estúdios.

Análise da nova mulher no cinema de Shanghai feita por Nino Rhamos, especialista em China. Cartaz do filme The Goddess
Cartaz do filme The Goddess (1934)

Enquanto as mulheres burguesas eram mostradas com vestidos modernos, em festas e dançando ao som do jazz, muitas vezes também eram alvo de crítica moralista, vistas como fúteis, decadentes e alienadas dos problemas da nação. Já a mulher trabalhadora, exaltada especialmente pelo cinema de esquerda, aparecia como símbolo de disciplina e patriotismo: alguém para quem amor e casamento não eram prioridade, mas sim a luta coletiva.

Atrizes como Ruan Lingyu, em filmes como Little Toys (1933) e The Goddess (1934), se tornaram ícones justamente porque encarnaram essas tensões: de um lado, a pressão da versão confuciana nacionalista, com objetivos de preservar a família; de outro, a modernidade ocidental que estimulava autonomia feminina.

Masculinidade em crise e família como metáfora

Esse novo protagonismo feminino contrastava com uma masculinidade em crise. Muitos personagens masculinos eram mostrados como irresponsáveis, fracos ou excessivamente ocidentalizados, incapazes de resistir em momentos de guerra ou de proteger a família. Em contrapartida, a resistência cultural e moral era cada vez mais feminizada nas telas — um deslocamento simbólico que refletia as ansiedades da sociedade.

A família, nesses filmes, funcionava como um microssomo da nação: as divisões, tensões e crises vividas dentro de casa representavam uma China igualmente fragmentada, dividida entre tradição e modernidade, campo e cidade, resistência e submissão.

Shanghai como palco da modernidade

Tudo isso ganhava ainda mais força porque o cenário principal era Shanghai, a metrópole cosmopolita conhecida como o “Hollywood do Oriente”. Era uma cidade moderna, cheia de arranha-céus, cinemas e cafés, mas também marcada por contradições sociais profundas, com cortiços miseráveis e desigualdade crescente. Essa ambiguidade se projetava diretamente nos personagens femininos: modernos e sofisticados, mas também vítimas de um mundo urbano desigual e hostil.

A antropologia da imagem feminina

Ao observarmos essas representações, percebemos que a “nova mulher” não era apenas uma personagem de ficção. Era também um símbolo performático de um país em transformação. O corpo feminino na tela tornava-se o espaço onde se encenavam disputas sobre identidade, moralidade e destino da nação.

Filme Poor Daddy (1929)

Nesse sentido, o cinema de Shanghai não apenas refletia as mudanças sociais, mas também participava ativamente da construção de novas formas de ver e imaginar o papel da mulher na China moderna.

Esse tema se conecta diretamente à minha pesquisa de doutorado sobre cinema e identidade na China do início do século XX, onde exploro como imagens, performances e narrativas cinematográficas ajudam a entender as transformações sociais e culturais daquele período.

Este texto faz parte da categoria Cinema chinês.

Nino Rhamos

Nino Rhamos é escritor e pesquisador independente. Tem mais de 30 anos de interesse pela China e formação acadêmica em antropologia. Atua desde 2010 com edição de vídeo e, mais recentemente, com tradução textual intercultural e consultoria em temas relacionados à China. No dia a dia, também segue ajudando amigos chineses que querem melhorar o português.

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