Raça, "ciência" e identidade: como o Brasil e China reagiram diferentemente às teorias raciais
- Nino Rhamos
- 3 de set.
- 2 min de leitura
Atualizado: há 6 dias
No final do século XIX e início do século XX, Brasil e China se viram diante do mesmo dilema: como lidar com a chegada das teorias raciais produzidas na Europa, em plena expansão colonial. Ambos os países estavam em transição — o Brasil após a abolição da escravidão e a proclamação da República; a China sob a crise da dinastia Qing, humilhada por derrotas militares e ameaçada por invasões estrangeiras.

Caricatura do “perigo amarelo”: a Ásia é retratada como monstro que ameaça a Europa, reforçando estereótipos raciais e o medo da supremacia oriental no início do século XX.
No Brasil, como analisa Lilia Schwarcz emO Espetáculo das Raças, as teorias raciais foramacolhidas e adaptadas com entusiasmo por médicos, juristas e intelectuais. Museus, institutos históricos e faculdades as usaram para justificar hierarquias sociais e projetos políticos.

A Redenção de Cam (1895). A obra ilustra a lógica do projeto eugenista brasileiro, onde a miscigenação era representada como um caminho para o "branqueamento" da população. A cena — uma avó negra agradecendo aos céus pela pele clara do neto, ao lado da filha mestiça e do genro branco — sintetiza o ideal racista de que o futuro nacional dependeria da eliminação progressiva dos traços negros e indígenas.
A miscigenação, condenada pelos europeus, foi reinterpretada localmente como solução de “branqueamento” e base para o futuro da nação. A ciência racial se tornou, assim, um instrumento de legitimação de elites, com projetos de eugenia, higienismo e exclusão de populações não brancas.
Na China, o contexto foi distinto. Ali, as mesmas teorias chegavam embaladas pela noção do “perigo amarelo”, que racializava os chineses como ameaça global. Ao invés de legitimar a elite, como no Brasil, as teorias foram incorporadas em meio a uma crise nacional de identidade.
Intelectuais e reformistas utilizaram conceitos ocidentais — evolucionismo social, antropologia funcionalista — para forjar uma nova ideia de unidade, como o “Zhonghua minzu” (nação chinesa comum).

The Yellow Peril (1895). Ilustração que simboliza o medo ocidental da “ameaça asiática”. Enquanto no Brasil a raça foi usada para justificar o embranquecimento interno, na China ela apareceu como estigma externo, reforçando a luta por identidade e unidade nacional.
O pensamento racial foi rearticulado para fortalecer o nacionalismo e responder à humilhação colonial, enquanto se apoiava em tradições locais como a distinção cultural Yi-Xia.
A convergência é clara: em ambos os países, a ciência racial não foi apenas “importada”, mas reelaborada de forma criativa e politicamente útil. A diferença, porém, está no sentido dado:
no Brasil, funcionou para naturalizar hierarquias interna e justificar um projeto de embranquecimento;
na China, serviu para reagrupar uma identidade coletiva e projetar resistência frente ao imperialismo.
O contraste revela como a mesma matriz europeia pôde gerar caminhos tão diversos. Enquanto o Brasil consolidava desigualdades sob a máscara da ciência, a China a transformava em combustível para redefinir sua identidade nacional moderna.
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