Como assim a China inventou o futebol? Entenda o sonho por trás da Superliga Chinesa de Futebol
- Nino Rhamos
- 19 de ago.
- 3 min de leitura
Atualizado: 5 de set.
Por trás da semifinal da Copa da China, uma história milenar ressurge com força e significado político
Ontem o futebol chinês viveu uma noite decisiva: Henan FC venceu o Chengdu Rongcheng nos pênaltis e garantiu vaga na final da FA Cup, a Copa da China. O jogo atraiu os holofotes não apenas pela tensão esportiva, mas também por aquilo que representa. A consolidação de um campeonato nacional que cresce em estrutura, visibilidade e ambição cultural.
Na minha recente viagem à China, não foi uma nem duas pessoas que vinham falar comigo sobre futebol tão logo ficavam sabendo que sou brasileiro. Já aqui no Brasil, o que poucos sabem é que, para além dos gramados atuais, o futebol na China carrega uma história de mais de dois mil anos.
E essa história não está sendo apenas resgatada, ela está sendo politicamente ativada como símbolo de soberania cultural e como peça de um projeto maior, relacionado ao Cuju (蹴鞠). Não, não se pronuncia como Cajú, mas sim algo próximo de "suji" (Cùjū). Mas você sabe o que é Cuju?
Cuju (蹴鞠): o jogo milenar que virou origem
Praticado desde a dinastia Han (206 a.C. – 220 d.C.), o cuju era um jogo de “chutar a bola” com função ritual, pedagógica e militar. A cidade de Zibo, na província de Shandong, é considerada o berço da prática. Hoje abriga museus, centros de treinamento e programas culturais que celebram essa origem.
Os primeiros livros da China antiga que registram o cuju são rastreados até o período dos Reinos Combatentes (c. 475-221 a.C.), e talvez esta seja a principal prova que fez a FIFA em 2004, reconhecer oficialmente o cuju como a forma mais antiga do futebol.
Copa da China e o projeto do “Sonho do Futebol Chinês”
A FA Cup (中国足协杯) não é apenas mais uma competição doméstica. Ela representa uma engrenagem estratégica dentro do que o governo chinês chama de "Sonho do Futebol Chinês", que busca tornar o país uma potência mundial no esporte até meados do século XXI.
A profissionalização do futebol chinês, iniciada em 1995, passou por altos e baixos, mas desde 2011 o campeonato voltou com força, incluindo times amadores (desde 2012) e políticas de popularização do esporte. O slogan "Jogo Para Todos" reflete o desejo de massificar o futebol como prática social e como espetáculo midiático, com transmissão, engajamento e formação de torcidas locais.

Clubes como o Guangzhou FC, o Shanghai Port e o Shandong Luneng possuem hoje algumas das maiores torcidas do país, sinalizando que o futebol está deixando de ser apenas um produto importado e começando a fazer parte da identidade urbana e regional da China contemporânea.
Futebol e nacionalismo cultural: símbolo sem isolamento
A ativação do cuju e a valorização da FA Cup não são ações isoladas. Elas se conectam a um discurso maior: o do rejuvenescimento do país, ou seja, a superação do chamado "Século da Humilhação", período entre a Guerra do Ópio e a fundação da República Popular da China, em que o país foi fragmentado por potências coloniais.
Mas diferentemente do nacionalismo excludente ou beligerante de outros contextos, o projeto chinês se apoia em fundamentos que procuram harmonia com o mundo.
Para entender o nacionalismo chinês, é muito importante compreender o sentido de "Minzu Zhuyi" (民族主义) e como ele influenciou o sentido de nacionalismo na China, fazendo com que hoje, a ideia de uma “globalização com características chinesas” que busca construir um futuro compartilhado, resulte em um país que cresce, mas não necessariamente se afirma pela dominação. Poucos analistas estrangeiros compreendem ou se quer consideram essa diferença, resultando em análises comparativas rasas.
Essa ideia específica de nacionalismo, portanto, está presente também no esporte. O futebol, nesse sentido, deixa de ser apenas uma meta de títulos, mas também uma forma de afirmação para o mundo, ressaltando que o país se modernizou, mas anda junto com tradição. Algo que o Brasil, nos seus termos, ao menos com o futebol, faz há muito tempo também.
Será que vem daí a felicidade que percebi em muitos chineses ao saberem que e eu era brasileiro?
Abraços.
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