Feriado 15 de agosto: da devoção brasileira à Nossa Senhora ao culto chinês de Fuxi e Nüwa
- Nino Rhamos
- 13 de ago.
- 3 min de leitura
Atualizado: 5 de set.
Embora o 15 de agosto não seja feriado nacional no Brasil, a data carrega muitos significados religiosos e históricos em diferentes regiões.

Em Belo Horizonte (MG), é dia de Nossa Senhora da Boa Viagem, padroeira da cidade, cuja devoção remonta ao século XVIII. Já em Fortaleza (CE), é celebrada a Assunção de Nossa Senhora, enquanto em Tocantins é celebrado o Dia do Senhor do Bonfim.
Outros municípios e estados atribuem significados próprios à data. No Pará, por exemplo, existe uma relação com à Independência do Brasil em 1823. Em Vitória da Conquista (BA), a data está associada à Nossa Senhora das Vitórias. Em Maringá (PR), Nossa Senhora da Glória.
Essa pluralidade reforça a importância das culturas e tradições locais na construção do calendário cívico-religioso brasileiro. Assim, o feriado 15 de agosto se torna um ponto de encontro entre memória, devoção e identidade coletiva, ainda que suas celebrações permaneçam restritas a âmbitos municipais ou estaduais.
Mas qual a relação entre o 15 de agosto no Brasil e a China?
Um paralelo cultural
Na China, um evento com características semelhantes — não por conteúdo religioso específico, mas por sua natureza local e regional — é o Festival de Fuxi e Nüwa, realizado anualmente na província de Henan, na planície central, às margens do lago de Huaiyang.
Assim como o 15 de agosto brasileiro, este não é um feriado nacional, mas uma celebração profundamente enraizada na memória e identidade de uma comunidade.
O festival reúne cerca de um milhão de pessoas, principalmente agricultores, em torno de um complexo de templos com origem no período das Primaveras e Outonos (cerca de 700 a.C.). É dedicado às divindades primordiais Fuxi, criador das “leis da humanidade”, e Nüwa, associada ao casamento, à fertilidade e à prosperidade.
Um dos rituais mais importantes é a veneração de Nüwa consertando o pilar do céu e segurando o primeiro ser humano moldado com barro e sangue.
Mulheres que desejam filhos tocam uma pedra sagrada diante do templo, perpetuando um gesto ancestral que ecoa práticas votivas de outras culturas.
O festival carrega ainda o legado de rituais imperiais da dinastia Song, posteriormente revitalizados na dinastia Ming. Embora tenha sido suspenso e seus templos vandalizados durante a Revolução Cultural, o culto ressurgiu nos anos 1980, integrado às feiras populares e impulsionado pela política de “Reforma e Abertura”.
Nessas feiras, além de apresentações artísticas, dança e música, ocorre a troca simbólica de terra entre comunidades, reforçando o vínculo com o lugar sagrado.
Resistência cultural e continuidade da memória
A permanência dessas celebrações, tanto no Brasil quanto na China, revela um traço antropológico importante. A resiliência das tradições locais diante de mudanças políticas e sociais.
No Brasil, as festas católicas absorvem elementos das culturas indígena e africana, compondo uma religiosidade plural. Na China, o culto a Fuxi e Nüwa também representa um longo processo histórico — o culto a Fuxi e Nüwa são os elementos primordiais da mitologia chinesa e data de pelo menos 3.000 anos atrás —, de união entre elementos de diversas etnias locais, sendo, inclusive, um elementos importante de construção da coletividade chinesa que hoje se expressa na ideia de identidade nacional.
Nesse sentido, em ambos os contextos, o que se celebra não é apenas um evento religioso, mas também um marco identitário. É a afirmação de pertencimento a uma comunidade específica, a partir de narrativas que reforçam a noção de ancestralidade.
No Brasil, a devoção a padroeiros locais cria um elo afetivo e histórico entre cidade e fiéis; na China, o culto às divindades primordiais reforça a ideia de que “todos somos da mesma família”, uma memória coletiva que antecede fronteiras políticas contemporâneas e ultrapassa, embora não elimine, características étnicas mais específicas.
Assim, o feriado 15 de agosto, em suas múltiplas interpretações, e o Festival de Fuxi e Nüwa, cada qual em seu território, mostram como datas festivas funcionam como âncoras culturais, porque ligam passado e presente, conectam indivíduos por meio de símbolos partilhados e mantêm viva a herança espiritual e social de um povo.
Comentários