Imagina só, uma mulher chinesa chega ao Brasil e revoluciona a forma como as pessoas se comunicam. Em 1971, Chu Ming aceita o desafio de criar um protetor para telefones públicos que unisse beleza e funcionalidade. E assim nasceu o Orelhão, um dos símbolos mais conhecidos da paisagem urbana brasileira. Mas você sabia que essa inovação é obra de uma mulher oriunda da China? Uma história incrível e pouco conhecida que merece ser relembrada e celebrada!

Chu Ming Silveira
A arquiteta e designer sino-brasileira Chu Ming Silveira (nascida em Shanghai, 4 de abril de 1941 - São Paulo, 18 de junho de 1997) é conhecida como a criadora do orelhão. Ela se formou pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Presbiteriana Mackenzie em 1964 e se destacou pela concepção dos protetores telefônicos, que se tornaram ícones do design brasileiro e do mobiliário urbano mundial.
Em seus projetos residenciais no litoral paulista, especialmente em Ilhabela, Chu Ming demonstrou sua habilidade em combinar a simplicidade e o respeito à natureza com técnicas e materiais contemporâneos, criando assim um estilo único, denominado por ela "Pós-caiçara".

A trajetória de vida de Chu Ming está fortemente ligada a sua identidade étnica como imigrante chinês no Brasil. Além de sua carreira na arquitetura e design, Chu Ming também se dedicou à programação visual. Ela se casou com o engenheiro paulista Clóvis Silveira em 1968 e teve dois filhos.
A trajetória profissional de Chu Ming é influenciada pela formação na Faculdade de Arquitetura da Universidade Mackenzie em São Paulo, em 1964. Seus mestres incluem o arquiteto Adolf Franz Heep, formado na Escola de Artes e Ofícios de Frankfurt, e os artistas plásticos Pedro Corona e Lazlo Zinner. Além disso, ela foi aluna de Marcelo Fragelli, Fabio Penteado, Ubirajara Ribeiro e Ubirajara Giglioli, e teve como colegas de turma importantes arquitetos como Vasco de Mello, Ivone Macedo Arantes, Walter Caprera, Cláudio Moschella, Rumi Onoda e Tito Lívio Frascino.
A partir de 1965, Chu Ming abriu seu próprio escritório de arquitetura, realizando projetos de edificações. Em 1966, ela começou a trabalhar na Companhia Telefônica Brasileira, em São Paulo, desenvolvendo anteprojetos, supervisionando e coordenando o desenvolvimento de projetos de centrais telefônicas e postos de serviço, até 1968. De 1968 a 1972, ela liderou o Departamento de Projetos da CTB, e em 1971, desenvolveu os projetos dos protetores telefônicos Chu I e Chu II, conhecidos popularmente como Orelhinha e Orelhão. Em 1974, ela continuou seu trabalho no mobiliário urbano, desenvolvendo anteprojetos de bancas de jornais e bancas de flores, solicitados pela Prefeitura de São Paulo.
A partir de 1973, Chu Ming atuou como Arquiteta Sênior na Montreal Engenharia S.A. e na Serete S.A. Engenharia, ambas em São Paulo, até 1978, quando se dedicou ao design e à comunicação visual. Finalmente, a partir de 1987, ela se voltou ao desenvolvimento de projetos de residências no litoral paulista.
A formação e carreira de Chu Ming ilustram a maneira como as experiências educacionais e profissionais podem influenciar o desenvolvimento de uma pessoa, ao mesmo tempo em que sua carreira refletiu as tendências e demandas da sociedade brasileira em relação a arquitetura e design.
O orelhão
Em 1971, Chu Ming liderou o Departamento de Projetos da Companhia Telefônica Brasileira e aceitou o desafio de criar um protetor de telefones públicos que combinasse funcionalidade e estética. Ela desenvolveu o modelo a partir da forma do ovo, que era simples e acusticamente a melhor segundo a arquiteta. Os resultados foram os famosos "Orelhinha" e "Orelhão".

Na época de seu lançamento, eles foram chamados de Chu I e Chu II, em homenagem a sua inventor. O modelo Chu I era feito de acrílico laranja e destinado a telefones públicos em espaços fechados, enquanto o Chu II era feito de fibra de vidro laranja e azul, projetado para áreas externas e resistente a intempéries. As primeiras cidades a receberem os novos protetores foram Rio de Janeiro e São Paulo, e a população criou apelidos como "Tulipa", "Capacete de astronauta" e "Orelhão".

Em março de 1972, a CTB já comemorava o aumento de 12% na média diária de chamadas em telefones públicos após a instalação dos Orelhões. Eles também foram exportados para outros países como Moçambique, Angola, América Latina e até mesmo na China. No entanto, a tendência é a redução do número de Orelhões devido ao crescimento da telefonia móvel.


A Telefônica decidiu desativar alguns Orelhões duplos e triplos em São Paulo, mas irá preservar alguns para garantir o acesso a um telefone público a no máximo 300 metros de distância. Em 4 de abril de 2017, o Google Brasil homenageou a criadora do Orelhão com um doodle.
Carlos Drummond de Andrade
De outubro de 1969 a setembro de 1974, Carlos Drummond de Andrade escreveu crônicas para o Jornal do Brasil, e foi em "Amenidades da Rua" que ele reportou o surgimento do Orelhão no cenário arquitetônico brasileiro.
AMENIDADES DA RUA
De repente – notaram? – a rua melhorou em São Paulo, com o aparecimento do telefone-capacete. Bem que eu queria falar sobre ele, mas bobeei, e Ziraldo, com aquele humour (sic) que não pede licença para explodir , disse em cartoon o que eu tentaria escrever sobre o Orelhão. Ah, Ziraldo, isso não se faz.: ter, antes dos outros, as melhores idéias!
A verdade é que a rua ficou sendo outra coisa, com as pessoas descobrindo que não precisam mais fazer fila no boteco ou na farmácia para dar um recado telefônico. Na própria calçada, uma vez comprada a ficha no jornaleiro, comunicam-se. Tão simples. Em outras cidades desse mundinho que é o mundo, já se fazia isso há muito tempo, mas aqui é novidade grande/ gostosa.
A primeira experiência foi aquele fiasco. As cabinas cilíndricas despertaram a agressividade, o instinto predatório de alguns , e logo se tornaram ruínas. O usuário repelia a dádiva. Eram feias? Nem por isso. Eram úteis, mas os destruidores não repararam na utilidade. Vingavam-se, talvez, nas pobres cabinas, das frustrações e irritações acumuladas durante anos de mau serviço telefônico. Para não falar no gosto puro e simples de arrebentar, que dorme nas cavernas psíquicas do suposto civilizado, e que, se ninguém está perto para servir de alvo, ou com receio de levar a pior na arrebentação, desaba sobre as coisas, que não reagem.
A CTB não desanimou, e saiu-se com o telefone protegido por uma cuia invertida: um, dois, três aparelhos geminados. Agiu tão depressa, e bolou tão bem a coisa, que os vândalos ficaram tontos e não contra-atacaram, senão em escala mínima. A população tomou conta das cabinas, que não são cabinas, são uma cuia gozada, a céu aberto, uma cuia que fala. Simpatizou com elas. Aprovou-as.
Então começamos a reparar que a rua é afinal uma boa coisa, apesar dos automóveis que a entopem ou que fazem dela pista para treinamento para fittipaldis em potencial. E, na rua, a calçada é aquela parte boa em que é bom ir e vir, parar e até telefonar. Com depósitos metálicos onde você pode colocar o seu papel de sorvete. Com pontos de parada de coletivos, que indicam números de linhas à sua escolha. São pequenas viagens que se oferecem, em todas as direções. Sucedem-se as placas, prestando informações que todo mundo consome, sem ligar para o esforço que toda essa sinalização representa. Uma série de códigos em ação para sua segurança. O hidrante está li, prevenido, para você poder continuar desprevenido. Ao lado dele, o telefone vermelho dos bombeiros. As pedrinhas que você pisa procuram diverti-lo, formando arabescos em preto e branco; de vez em quando interrompem o desenho para dar espaço a tampas que vedam condutos subterrâneos de que dependem a sua higiene, o seu conforto domiciliar, a sua vida. No leito da rua, pintaram listas amarelas que lhe permitem passar incólume, com ar superior de pedestre que despreza os motorizados, em frente à massa de carros subitamente imobilizados, impotentes para massacrá-lo. E não falei em outros serviços e dedicações mudas da rua para o citadino: a rua oferecida em árvores, toldos, lojas de tudo, escritórios, consultórios, jardins, cinemas, igrejas, oficinas; a rua, enciclopédia de utilidades e favores gerais. Tudo isso representando investimento, e que investimento colossal é a rua.
Nós a estimamos pouco, não sabemos prezá-la. Cuspir na rua, jogar-lhe detritos, conspurcá-la, são pecados que cometemos sem sentir, de tão habituados. Cobrar-lhe os defeitos, as lacunas, é costume velho. Mas celebrar-lhe e preservar-lhe as excelências, disso ninguém se lembra. Agora, o telefone-cuia dá ensejo para rimar, com satisfação”
Viva a cuia, aleluia!
E diz-se que vem aí uma nova caixa de correio, para aumentar as amenidades da rua. As que havia, raras e pesadonas, eram demasiado republicanas, com as armas nacionais em relevo dando a impressão de que só o Quintino Bocaiúva podia botar lá dentro sua correspondência; quem fosse monarquista, anarquista ou nada, estaria excluído. Desejo que a EBCT faça como a CBT: peça a um industrial designer que bole a caixa diferente, atraente, simpática: enfim, uma caixa que desperte no brasileiro, tão incorrespondente por natureza e por má educação, o desejo de escrever cartas, para o prazer de botá-las numa caixa bacana, a dois passos de casa; porque sendo a duzentos passos, o brasileiro desiste de escrever, mesmo que seja para pedir dinheiro ao pai.
No site oficial: orelhao.arq.br você pode encontrar mais informações, além de cópias dos originais dos três projetos apresentados na I Bienal de Arquitetura, em São Paulo.